Não há tempo para tudo
Não, não há. Não há tempo para tudo, nunca há tempo para tudo. É essa paz de espírito que estou a tentar encontrar, incorporar esse pedaço de sabedoria [os pedaços de sabedoria nunca se entranham facilmente: ou não seriam pedaços de sabedoria mas apenas pedaços de senso comum e, mesmo esses, às vezes custam; um pedaço de sabedoria é muito mais complicado, fica ali encalacrado e só se incorpora ao empurrão e uma pessoa sempre a negar, não, não, não é nada assim, eu sou capaz, espera espera lá, não combina com o meu sistema, eu não sou isso, eu consigo, é só mais um esforço. Mas é um esforço inglório e que só causa ansiedade e frustrações [estão a ver eu a negar, a negar e a dizer-me isto a mim mesma? é este texto, eu a convencer-me ao empurrão e a embirrar comigo mesma]
(- não é nada, eu sou capaz)
(- ó cala-te e escreve, teimosa de merda)
Não há tempo para tudo. Não há tempo para tudo. O universo inteiro quase que sai do caminho para nos mostrar isto a cada segundo. O universo inteiro, reparem, está aí em todo o lado, a ocupar o espaço todo e a dizer-nos “tou aqui mas é mais que evidente que o facto de estar aqui, eu universo, não quer dizer que tu, pessoa, me vás conhecer senão uma ínfima parte, mas mesmo daquelas que não valem sequer um micronésimo de um grão de areia”. Um gajo devia olhar para o céu e aprender logo isso, sobre a eterna falta de tempo para tudo, mas não se convence, tá bem, mas ao menos vou a Badajoz ou qualquer coisa.
Também é um facto que, não fosse essa ânsia de ao menos ir a Badajoz ou assim, estavam ainda as amebas a discutir mesmo ao lado da praia, epá eu até ia ali adiante ver o que é aquilo da areia seca, mas para quê, responde a que está ao lado, já viste bem o tamanho do universo? Quando muito vais conseguir andar dois, três metros vá durante a vida toda e entretanto acaba-se-te a adrenalina e não ganhaste nada com isso. E a primeira, muito teimosa, mas eu consigo, caneco, há tempo e a outra logo, olha que é melhor estabeleceres uma meta antes: senão depois não tens tempo para tudo e ficas aí feita tola parada, toda lixada com o universo que está ali a berrar-te que há limites para uma ameba.
Não há tempo para tudo. Basta entrar na Fnac ou, se quiserem, no site da amazon e perceber que nunca se vai conseguir ler o catálogo inteiro; nem sequer tudo o que se gostaria. Não vai haver tempo para chegar do trabalho à hora do jantar e fazer um assado no forno, desde o tempero até ao molho. Não vai haver tempo para visitar toda a gente que se gostaria de visitar, para almoçar com toda a gente com quem se queria estar, para estar em vários sítios ao mesmo tempo, para ver tudo o que se quereria, para dizer tudo o que apeteceria. Não vai haver tempo, porque não há tempo para tudo.
E, não havendo tempo para tudo, seja para uma ameba ou uma pessoa, o melhor mesmo é incorporar que é assim, não fomos feitos para englobar tudo. Estabelecem-se metas, meio metro de cada vez, quem sabe até se chega aos quatro. Somos feitos de material frágil e perecível, é escusado dar cabo de nós a tentar alcançar o impossível e o esforço é mais bem empregue a tentar a tranquilidade do realmente provável.
E é por isso que estou a escrever isto em vez de embrulhar mais uma prenda de forma impecável, ou de ir lavar mais roupa para não ficar suja. Estou a estabelecer o meu meio metro e acho que isso me ajuda muito mais do que stressar que ainda falta tanta coisa. Não falta nada, mesmo que só tenha ficado metade. Não falta porque eu (no meu caso) estou a escrever que é o que eu queria agora e não o que devia agora.
E sabem que mais? Acho que quem está à nossa volta nos prefere assim.
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Pingback: Catarina Campos
Já viste bem o tamanho do universo?
Maravilha! Estava mesmo a precisar de ler isto.
:)*
a minha vida é cheia de meios metros
Beijos, abraços, boas viagens e Boas Festas!
Por um post já um tanto antigo em que falavas que havia dois tipos de blogs reparei que tens uma grande capacidade de critica. assim convido.te a passar no meu blog e deixares um comentário. assim ficarei a saber se realmente os textos ate sao giros ou se sou daquelas pessoas que pensam que tudo o que escrevem e extraordinário. Obrigada
bephantene.blogspot.com
A mania que tu tens de ser menor do que és é relamente espantosa! Para já não é o Universo que ocupa espaço, és tu que ocupas espaço no Universo. Depois dito nem devia escrever mais nada mas já que estou com as teclas nos dedos lá vai:Há tempo, sim! Como dizia o outro, há tempo para tudo desde que tudo seja feito a seu tempo.
Um 2010 em grande para ti e todos os que amas.
Olha! Um blogue desocupado! Acho que vou chamar os okupas!
Catarina, deixa-me dedicar-te este poema de Álvaro de Campos. Parece-me apropriado:
ADIAMENTO
Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã…
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não…
Não, hoje nada; hoje não posso.
A persistência confusa da minha subjetividade objetiva,
O sono da minha vida real, intercalado,
O cansaço antecipado e infinito,
Um cansaço de mundos para apanhar um elétrico…
Esta espécie de alma…
Só depois de amanhã…
Hoje quero preparar-me,
Quero preparar-rne para pensar amanhã no dia seguinte…
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos…
Amanhã é o dia dos planos.
Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o mundo;
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã…
Tenho vontade de chorar,
Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro…
Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.
Só depois de amanhã…
Quando era criança o circo de domingo divertia-rne toda a semana.
Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância…
Depois de amanhã serei outro,
A minha vida triunfar-se-á,
Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático
Serão convocadas por um edital…
Mas por um edital de amanhã…
Hoje quero dormir, redigirei amanhã…
Por hoje, qual é o espetáculo que me repetiria a infância?
Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,
Que depois de amanhã é que está bem o espetáculo…
Antes, não…
Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei. Depois de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser.
Só depois de amanhã…
Tenho sono como o frio de um cão vadio.
Tenho muito sono.
Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã…
Sim, talvez só depois de amanhã…
O porvir…
Sim, o porvir…
Álvaro de Campos
Aproveito agora para te convidar a passares pelo, “estounasesta” e documentares-te sobre os últimos desenvolvimentos do São Gabriel, dos Cavalos Lusitanos e das demais mercadorias que transportava…
E não temos tempo para fazer tudo o que era preciso.
Bom fim de semana.
belo presente para 2010, obrigada
Valeu!
http://www.emma-actividades-musicais.pt