100nada

Wolf Ang (1)

Quando o Inverno chega à Terra dos Angs não surge com chuviscos e frio ameno. Aparece de repente com uma crueldade destruidora, aquela que é necessária para que tudo morra e renasça depois. Poucas criaturas se atrevem a enfrentar essa longa noite e mesmo os Angs preferem passar o tempo perto de fogueiras que assustam as sombras geladas. É um tempo de recolhimento, meditação e de contar estórias. Estórias de Angs que enfrentaram a noite. Esta é uma delas.

Era uma vez um Ang que não nascera no tempo do dia, como é hábito. Nascera durante a noite longa e soubera a vida inteira que esse facto tão raro tinha criado um dilema a todos os Angs. No aniversário da passagem a adulto, os Angs eram testados. Os testes eram duros, mas sempre no tempo do dia. Mas este Ang iria passar a adulto durante o tempo da noite. E os Angs não tinham a certeza que fosse justo testá-lo na data certa mas também não parecia justo que este Ang tivesse que esperar até regressar o dia para poder ser adulto.

No fim os Angs decidiram que se era a data de nascimento que determinava o tempo de teste, este teria de ser durante a noite. E quando esta decisão foi anunciada, o jovem Ang passou a viver como se fosse apenas um cadáver adiado, pois não haviam dúvidas que estava condenado. Vivia rodeado de silêncios súbitos, de murmúrios, de lágrimas escondidas. E vivia poupado. Para ele sempre a parte melhor, para ele sempre o bocado mais tenro, pois que poderiam mais fazer os Angs senão tornar-lhe esses poucos anos de vida mais doces? E poucos se aproximavam, pois ninguém queria como amigo uma criatura que estava condenada de antemão, cuja falta depois se sentiria mais.

E o jovem Ang cresceu no meio de silêncios e murmúrios. E de distância. E como ninguém se aproximava dele encontrou companhia nos livros. Passava todas as horas vagas sentado numa janela da torre da biblioteca dos Angs e lia. Lia tudo o que podia e o que não podia também, porque ninguém lhe negava nada. Se não iria depois poder ler tudo o que apenas Angs adultos podiam ler, não haveria mal em ler agora. E o jovem Ang ia lendo, tudo o que lhe interessava. Que se resumia a uma pergunta: como sobreviver na noite? Não havia nenhum livro que ensinasse. Aqui e ali uma referência, um nota escrita à mão, uma folha rasgada que caia de um livro…e o jovem Ang foi lendo e aprendendo e fixando o que lhe parecia importante. Não sabia bem o que procurava e encontrava mais perguntas do que respostas, mas não desistia.

0 thoughts on “Wolf Ang (1)

  1. Mar

    Parece-me, definitivamente, uma história com direito a “Rodapé” ;-))))