100nada

Para a Mar

um re-post do antigo 100nada. Tu percebes. Obrigada, amiga.

As palavras estão na ponta dos meus dedos, todas por cima uma das outras, uma porta com um incêndio atrás. Gritam e pisam-se umas às outras e atiram-se à porta e querem sair, mas a porta abre ao contrário. É uma porta que fica mesmo ali na ponta das minhas unhas, uma porta aguçada, uma porta que fere as palavras mais afoitas, uma porta que não deixa passar nenhuma. Às vezes, muito raramente, algumas, muito magoadas, conseguem passar. Mas a marca das unhas fica nelas, de feridas passam a predadoras. E as outras, queimadas, morrem ali, sem serem escritas.

Talvez não seja assim, talvez não fosse preciso, mas é assim e é preciso. Esconder, esconder sempre, cada vez mais longe, volto a dizer as mesmas coisas, digo sempre as mesmas coisas, mas acho que vou falando para as paredes, vou gritando dentro e o silêncio aumenta. Fecho os olhos e penso, será que posso deixar só um pedaço aqui? Podia ser noutro lado qualquer, mas o teclado é simples, habituei-me, já não sei escrever. Talvez por isso, por não conseguir agarrar esse momento, aquele que precede o poisar de uma caneta numa folha branca, talvez nunca tenha sabido, talvez seja apenas um instrumento desafinado que sabe que o seu som é fraco, mas vai tentando, cada vez mais desesperadamente, esperando que um dia, um segundo que seja, consiga largar um som absolutamente cristalino, uma nota certa, só uma, só uma vez…até que um dia, deixarei de escrever, pego na ilusão e rasgo-a, como hei-de rasgar todos os pedaços de papel que estiverem perdidos pelos cantos, apago tudo, deleted items, não passa disso, apenas adiado.

A torre não tem portas nem janelas. Não sei qual é esta obsessão pela torre, podia ser uma um buraco no chão, é um buraco no ar. Vejo-a cinzenta, sem mais nada, uma torre de betão, uma paisagem inóspita, um céu encoberto, pedras no chão, blocos de cimento em cima uns dos outros, um muro contra as marés. O oposto ao belo, ao alado, nada aqui tem asas, só grades. Lá no alto, um cubo enferrujado, uma prisão sobre outra prisão, aberta ao ar, fechada. A criatura sobe as escadas dentro da torre, senta-se lá em cima, grita ao vento. E escreve, escreve furiosamente, enche folhas de letras, palavras, frases, histórias. Depois, quando a noite cai, quando já não há mais nada para escrever, quando tudo o que escreveu lhe parece inútil e vazio, rasga as folhas, estende a mão para fora das grades e quando a abre, o vento enche-se de farrapos, de pedaços de papel cobertos de letras…e alguns caem sobre mim. Porque eu também vivo aqui, à margem da torre, vivo com esta criatura presa, presa eu também. Fui eu quem a prendi, entendem, e agora vivo assim, carcereira e prisioneira. Se não a guardo, ela foge, e eu, que sei do que é capaz, não a posso deixar.

0 thoughts on “Para a Mar

  1. Gotinha

    Eu sei que devia fazer um comentário profundo e existencialista mas só me apetece dizer HÁ MAR E MAR, HÁ IR E VOLTAR….Um beijinho para a Cat e outro para a Mar do Pt. Conversa!!!

  2. Mar

    E de Gotinhas e mais Gotinhas se faz o mar;-)).
    E a Mar que está toda derretida com este gesto da nossa Cat só consegue dizer: força amiga, dessas pontas dos dedos, mais que palavras saem pérolas.