A árvore das fitinhas coloridas
Era uma vez uma menina que estava farta de brincar no jardim infantil.
O jardim infantil ficava no fim da rua. Numa pequena praça, abria-se um enorme portão verde, e o jardim infantil era imenso. Tinha caminhos de pedra, relvados, cavalinhos e escorregas, ringue de patinagem e pistas de bicicletas, onde a menina fazia corridas com os rapazes maiores e às vezes ganhava. Outras vezes caia. O jardim até tinha um ecrã gigante onde passavam filmes para as crianças que assistiam sentadas na relva.
Nos cantinhos escondidos do jardim, a menina sentava-se a inventar histórias de aventuras de piratas e de bruxas. E olhava para as árvores grandes.
As arvores grandes estavam do lado de lá das grades. Estas eram muito altas mas entre cada uma havia o exacto espaço para enfiar a cabeça e espreitar. As orelhas ficavam esfoladas, mas a dor valia a pena.
As árvores grandes estavam todas baralhadas. No jardim infantil tudo tinha a sua ordem, os arbustos todos a mesma altura, a relva sempre aparada. Mas as arvores grandes estavam todas desarrumadas, umas juntas, outras separadas, e não se viam caminhos. Só erva alta, e algumas pedras.
E um dia a menina lá se resolveu a ir explorar. Escondeu-se por trás dos arbustos e foi seguindo as grades. E, claro, descobriu o portão. Que, claro, estava aberto.
A menina olhou em volta e não viu ninguém. Deu um passo e passou o portão.
Mas de repente ouviu um barulho. Voltou-se e não viu ninguém. Mas as arvores grandes pareciam ter crescido mais ainda e a menina assustou-se e fugiu a correr para casa.
No dia seguinte, antes de sair do quarto olhou para a caixa onde guardava os ganchos, os elásticos e as fitas de cabelo. Escolheu uma que achou bonita. E foi para o jardim infantil.
Não ouviu os amigos a chamarem-na. Foi a correr e passou o portão. E quando chegou ao pé de uma arvore sem fitinhas, tirou a sua linda fita do bolso e atou-a a um ramo.
E fugiu.
No dia seguinte mal podia esperar para ir ver o que tinha acontecido. Não ligou a nada. Não ouviu ninguém. Foi buscar outra fitinha da mesma cor da da véspera e assim que conseguiu correu para o bosque das arvores grandes. E na arvore grande onde tinha atado a sua fitinha, viu outras fitinhas atadas também. Achou que algumas eram feias. Mas outras eram muito mais bonitas que a sua. Pendurou a fitinha nova. E foi ver as fitinhas das outras arvores grandes. E viu que nas outras arvores as fitinhas também eram umas bonitas outras feias.
Quanto já estava a entardecer foi para casa. Nessa noite sonhou com as fitinhas. No dia seguinte voltou ao bosque das arvores grandes. E nos dias a seguir também.
Nunca encontrava ninguém, embora às vezes sentisse qualquer coisa atrás dela. Mas quando se voltava, assustada, apenas via mais arvores. E, perdendo o medo, cada vez se perdia menos no meio das arvores grandes.
Pendurava as suas fitinhas todas da mesma cor em arvores vazias de fitinhas e em arvores que já tinham fitinhas. Já distinguia as cores das outras fitinhas ao longe. Ficava horas a olhar para as mais bonitas. As feias, embora a incomodassem, fazia por ignorar.
E começou a reparar que certas fitinhas não eram de uma cor só. Tinham várias cores misturadas. Era engraçado que, vistas de perto, essas fitinhas eram muito bonitas. Mas vistas de longe eram todas pardas. E uma ou outra mesmo de perto era também assim.
Um belo dia, quando acabou de ver as fitinhas novas e pendurar as suas, viu que se tinha distraído e já era quase noite. As arvores grandes pareciam maiores. E as cores das fitinhas não se distinguiam bem.
A menina com um bocadinho de medo foi andando em direcção ao portão para o parque infantil. E.no meio do silêncio ouviu de repente uma voz!
Olá!
A menina ia morrendo! Mas com o susto não conseguia sequer andar. Ficou muito quieta com o coração a bater muito depressa. Conseguia quase ouvi-lo.
E do meio das arvores, já mais perto, a voz ouviu-se outra vez. Não te assustes!
A menina olhou à volta. E quando olhou outra vez para a frente viu uma figura muito estranha.
Era um lobo. Não havia dúvidas. Tinha cara de lobo. E corpo de lobo. E voz de lobo. E orelhas de lobo. E cauda de lobo. Mas estava todo vestido de vermelho. Da cor das fitinhas que trazia na mão.
E quando se riu, a menina viu que também tinha dentes de lobo. Mas o sorriso era tão simpático que a menina não resistiu e sorriu também.
O lobo convidou a menina a sentar-se numa pedra e ela, sem saber bem o que fazer, sentou-se. Ele sentou-se ao lado. E começou a contar histórias. A menina achou as histórias muito lindas. Mas tinha que voltar para casa e o lobo disse-lhe que se queria saber o fim das histórias, ele no dia seguinte estaria lá outra vez.
E no dia seguinte lá estava o lobo vestido de vermelho a pendurar as suas fitinhas quando a menina chegou para pendurar as dela. E ficaram a conversar sobre as histórias de um e de outro e sobre as fitinhas das arvores grandes. E nos dias a seguir também.
E um belo dia, quando a menina estava a contar ao lobo que achava as fitinhas muito bonitas, o lobo disse-lhe que havia fitinhas muito mais bonitas ainda. E a menina perguntou onde estavam essas tais fitinhas que ela não as via.
E o lobo respondeu que havia uma arvore gigante onde estavam todas as fitinhas que tinham sido atadas até então. E perguntou-lhe se queria saber o caminho para essa arvore gigante.
E a menina disse que sim.
E o lobo insistiu, tens a certeza? Ao que a menina respondeu que sim, tinha a certeza absoluta. Mas o lobo avisou-a, olha que quando voltares o caminho é diferente.
Mas a menina queria muito ver as fitinhas e não quis saber.
E o lobo vermelho indicou o caminho.
E a menina começou a andar. Esqueceu-se das horas de ir para casa e foi andando, andando pelo meio das arvores grandes.
E lá fundo, no meio das arvores grandes, começou a ver uma arvore muito grande e muito alta e muito brilhante. A menina desatou a correr e quando chegou ao pé olhou para a arvore gigante e o que viu foi
que a arvore gigante tinha milhares e milhares e milhares de fitinhas penduradas. De milhares e milhares e milhares de cores. Cores que a menina já tinha visto e cores que a menina nunca tinha visto. Cores de tudo. Cores das coisas que a menina conhecia e cores das coisas que a menina imaginava. E cores que só imaginando se podia dar o nome.
E a menina ficou ali parada a olhar.
Depois aproximou-se muito devagarinho. E olhou para uma fitinha qualquer. E depois olhou para outra. E depois outra. E desatou a rir. E, perdendo o medo todo, perdeu-se nas cores das fitinhas. Ficou muitas horas a ver as fitinhas. A menina queria ver todas e sabia que não ia conseguir mas mesmo assim tentou. Olhava para uma fitinha, escolhia outra, via fitinhas que estavam juntas, depois outras que estavam separadas. Viu também muitas fitinhas muito feias. Mas fez de conta que não estavam lá. No meio de todas as outras, as fitinhas feias nem se notavam. E a menina também notou as fitinhas que tinham mais que uma cor. As que pareciam pardas ao longe e as que também eram pardas de perto.
Quando voltou para casa o caminho parecia igual. E sonhou com a arvore gigante.
E no dia seguinte a menina foi muito cedo ver mais fitinhas da arvore gigante. Passou pelas primeiras arvores grandes e nem reparou se tinham mais fitinhas. Levava as suas no bolso. Mas não parou sequer para as pendurar.
E a menina passou o dia a ver as fitinhas de milhares de cores.
Quando voltou para casa a menina estava muito cansada. Não pendurou as suas fitinhas nas primeiras arvores grandes.
E no dia seguinte as arvores grandes tinham mais fitinhas. E a menina pensou, logo à tarde penduro as minhas. E foi directa à arvore gigante. Passou mais um dia a ver as fitinhas de milhares de cores.
Quando voltou para casa, a menina lembrou-se das suas fitinhas. Tinha-as no bolso já amachucadas. Mas resolveu pendura-las. E assim fez.
E depois a menina foi para casa.
Mas quando chegou ao portão do parque das arvores grandes, olhou para trás. E achou muito esquisito. As suas fitinhas pareciam diferentes.
E voltou às arvores grandes onde tinha pendurado as suas fitinhas. E quando olhou, a menina pensou, não foi nada, as minhas fitinhas estão na mesma.
E a menina foi-se embora. Mas não resistiu. E quando chegou ao portão, olhou outra vez para trás e finalmente percebeu o aviso do lobo:
As fitinhas que tinha pendurado pareciam agora pardas.
- Ainda não é noite de Natal
- …e dei comigo a pensar
É esse o problema em crescer, em querer sempre avançar mais e mais, até que o caminho atrás deixa de parecer e significar o mesmo. É essa, pelo menos, a minha leitura.
Parabéns pela história.