100nada

O ataque dos turbanões

Os turbanões chegaram sem aviso, como sempre acontece. Aparecem sempre pelos fichas de electricidade, pela tomada do telefone, pelo fio da net, pelas frinchas das janelas, por baixo das portas, por ralos e aberturas e rachas que nem se vêem nas paredes, os turbanões cabem em todo o lado. São uma espécie de bichos misturados com coisa-gente: anões com turbos microscópicos ligados por tubos a uns cintos que trazem atravessados nas costas e uns capacetes com antenas através dos quais comunicam uns com os outros, sabem sempre onde estão todos, os das tomadas a chamarem os que se estão a espremer debaixo das portas, a indicarem que há ali uns espaços debaixo das estantes e vamos agora que ela está distraída e avançam todos de repente, quando eu bato o cigarro no cinzeiro; um exército em duas frentes, uns ainda a ajeitarem os tubos dos turbos das costas que ficaram fora de sítio com a porta, os outros a tirarem teias de aranhas eléctricas dos capacetes, todos a atravessarem o chão em passo acelerado, uns a cairem pelas juntas das tábuas e a gritarem, esperem por nós, enquanto tentam trepar pela madeira, os outros a sacarem de umas armas laser e a dispararem contra os companheiros, desculpem lá mas não deixamos rasto, não deixamos sobras, não deixamos evidências, tudo isto é uma operação secreta de ataque e lamentamos mas são azares destas guerras e PUM, quer dizer, ZZZZSSST (que as armas são laser) e caem os outros para dentro das juntas das tábuas, tenho as tábuas todas coladas com pedaços de turbanões cortados (e mortos, claro) mas como estão escondidos não os vejo, não me incomodam. E já os outros debaixo da estante, escondidos também, os da frente a espreitarem, os de trás a tentarem ver, não empurrem, queres levar um balázio, um lasersásio digo, não me empurres cabrão (o vernáculo é muito usado belicamente, aqui apenas para efeito de maior veracidade ao texto) e a chegarem os do fio do telefone, sem conseguirem entrar, o telefone fora do descanso por acaso (uma trolitada com a garrafa do vodka, a equilibrar o gelo e a água tónica) e o sinal sempre intermitente e os turbanões sem conseguirem atravessar senão os sons contínuos, a enviarem mensagens de urgência aos do fio da net, emergência-beco-recuar-maydaymaymayday e o sinal intermitente a cortá-los às postas, cada vez que soa.

(tudo mentira que eu nem bebo vodka)

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