Meninas de papel
Há em todas as mulheres (não serão todas, mas nem todas serão mulheres) algumas figuras desenhadas, riscos de grafite num pedaço de papel.
Uma menina a atirar uma pedrinha para a frente, para o primeiro de três quadrados seguidos pintados a giz no chão. Depois dois lado a lado. Depois um, e mais dois. Um pé no ar, um pé no chão, dobra-se para apanhar a pedra e volta para trás. E atira para o segundo e depois para o terceiro, e dá voltas com os dois pés e regressa num só. Puxa o cabelo para trás da fita, que é de tecido à frente e elástico atrás (também tem de veludo para outros dias), igual à saia, foi a mãe que fez. Tem sandálias brancas de tiras e uma fivela de lado e, quando se vai embora, tira do bolso um pau de giz e volta a desenhar os quadrados no chão com muito cuidado.
Uma menina (já mais crescida) sentada numa rocha na praia. Lá ao fundo, longe de toda a gente, à vista de todos. De fato de banho e camisola que o fim de tarde é mais fresco, braços em redor dos joelhos, cara apoiada nas mãos. A olhar para a frente, a pensar em (ao mesmo tempo) mar e ir embora talvez ou então que está toda a gente a olhar. Não sabe ainda se gosta de pensar nisso. Quer talvez que olhem mas que vejam uma imagem de solidão. Não sabe ainda que todas as meninas (já mais crescidas, e não serão todas mas nem todas serão meninas) se sentam numa rocha qualquer frente ao mar, em certa altura ou noutra e que na praia, para quem olha, é apenas mais uma.
Uma rapariga que traz uma criança pela mão e lhe compra gelados e vai a correr atrás dela cada vez que a criança (que há-de ser uma menina que, em certa altura ou noutra, se sentará numa rocha frente ao mar) se afasta e depois se ri para uma outra sentada, que deixa outra criança correr, ela não é minha filha, é sobrinha, e a que está sentada, sorri e diz, eu já calculava.
Uma mulher que se afasta. Não se sabe de onde veio nem quando chegou, mas em certa altura lembrou-se que se tinha sentado numa rocha a olhar para a frente, a pensar em mar e ir embora talvez. E que já não se importa com quem estiver a olhar, desta vez.
- Tiram-me do sério
- Hoje estou assim
Há dias que valem a pena! O de hoje valeu por este teu post magnífico! Tinha que ser de papel!
Um encanto! Uma Poesia! Um tu em que me senti eu. Uma magia de escrever com o giz no céu e pular à macaca no ar!
E tantas meninas de papel a ler e a fazer uma roda de frente para o mar sem medo que as descubram a sorrir e a brincar para se tornarem mulheres reais a darem a mão às outras meninas que vão puxando das ondas a gargalhar.
E quando menos se espera és tu aí, tão barquinho de papel a navegar…
Tantos.
Belíssimo.
Querida Maré, estou lavada em lágrimas. beijos muitos.
Obrigada, João.
Um barquinho de papel com muitas letras bonitas que destrói couraçados.
Querida Du… Beijos.
Gosto deste Blog e pronto. Não me obriga a esticar dedos, deambulando por outros cozinhados. Aqui tenho BigMac’s e Robalos, servidos de acordo com o teu ímpeto culinário. E quase sempre me sabem bem, quase sempre são o que me apetecem. Hoje o teu robalo estava bom. Olha, para almoço vai ter de ser uma Pita Shoarma, hoje ando sem tempo, pode ser ?
Beijos de admiração
Todos temos um momento que que olhamos o mar sentados numa rocha.
Um momento em que pesamos a nossa vida, e decidimos se queremos ou não ser quem somos.
Alguns de nós têm esse momento todos os dias…
😉
Gostei muito
Obrigada.
encantada
É poesia, sim. E também pintura. Lindo, Catarina.
Não direi que o texto tá mal escrito, muito pelo contrário, mas há por ali uma ideia base que assenta numa série de lugares comuns, ou sou eu que estou meio petrificado hoje?
Engraçado .m., eu nem me apetecia responder aqui, apesar de já ter lido o texto algumas vezes, acaba por ser esta tua resposta que me faz perceber o que na verdade senti ao ler o texto, porque o que considero ser mais difícil na escrita é escrever sobre ou baseado em lugares comuns, ou seja, sobre e naquilo que é igual em todos nós. Acho muito complicado conseguir-se retirar beleza daquilo que temos em fartura e todos os dias nos passa normalmente ao lado.
Louvo a capacidade que as pessoas têm (neste caso a Catarina) de significar aquilo que é aparentemente insignificante, e que nos faz descobrir que afinal somos muito mais do que a maioria das vezes pensamos ser. Talvez seja apenas uma questão de olhar, em vez de olharmos tipo: ah isso também eu sinto, grande coisa! olhamos tipo: caramba, eu também sou assim, sinto assim, tenho algo de muito bonito.
Mas eu acredito que só nos descobrimos verdadeiramente pelos olhos, ou palavras, dos outros, neste caso foi pelas tuas que me descobri nas dela
A rocha, às vezes fica num campo de trigo a perder de vista, pintado de papoilas aqui e ali com um sol enorme a descer lá ao fundo…ou em qualquer canto do mundo e todas as que lá se sentarem com os braços à volta dos joelhos serão meninas e mulheres como tu.;-)
Não sei muito bem o que se responde aqui: obrigada. Acho eu.