Da Nova Zelândia para a Patagónia (um entre capítulos)
E quando acordei, continuava invisível: o mar agora era branco.
Há um branco mais branco que o meu barco de papel, é o branco da minha memória. Afasto-me e desapareço e escondo-me desse branco, afasto-me sem olhar e não conto a história, sabendo que, se a contar, talvez uma rapariga perdida num deserto de esquecimento (que continua a quinhentos metros da Última Coca Cola do Deserto, num eterno pontapé a calhaus maiores que a paisagem) recupere a memória. Não sei. Conto aqui e ali, escondo a minha história à vista de toda a gente, ninguém a consegue encontrar; mas quando a rapariga amnésica olha para os pés, encontra as botas do náufrago e não consegue ver para lá das botas…e eu não sou capaz de contar a minha (e dela, talvez a mesma, não sei eu que para lá das botas, perdi eu a minha memória) história. É aquele pedaço de cabedal que nos liga às duas, o ponto de chegada e partida, é necessário que eu conte a história! Para que ela possa sair da imobilidade causada pela areia do deserto do esquecimento, se for capaz. Também não sei. Mas vou tentar, aos poucos, muito poucos, muito pouco de cada vez, é uma história triste e sinistra e é esta a nossa história, negra, num barco de papel branco.
Perdi os remos, desfizeram-se, eram de papel, digo eu e olho para a frente. Até aí e desde o nascer do sol, tinha tentado decifrar os poemas do fundo do barco. Os tucanos escreviam muito mal, não se percebia nada. Ou então os tucanos limitavam-se a dobrar as folhas e talvez não soubessem deixar os poemas à vista. Ou então talvez, talvez…e imaginei um exército de pássaros transparentes que bebiam tintas de muitas cores e picavam depois as folhas, copiando os poemas de amor-impermeável, sem saberem ler o que estavam a escrever. Só podia ser isso e passei a mão pelo fundo do barco. Era rugoso no sítio dos poemas e não quase líquido como o resto. Como se chamarão esses pássaros, escrevinhapintores? Quem saberia, o flamingo tinha desaparecido a noite anterior…e eu estava sozinha no meio do mar e foi nessa altura que olhei para a frente.
E, quando olhei para a frente, vi uma vela. Lá muito ao longe. Mas via-se muito bem. Quando a paisagem é toda branca, qualquer risco de cor se nota com facilidade. Um triângulo melhor ainda.
Aquele triângulo era cor de sangue. E eu devia ter remado com os braços, com as pernas, dever-me-ia ter deitado ao mar naquele instante. Mas a cor era bonita e a corrente arrastou-me naquela direcção. Não sei porquê, talvez por ser uma cor bonita, talvez por ser a única, deixei-me ir. E nem sequer reparei que os pássaros escrevinhapintores voavam agora por cima: quando o olhar é fixo, a visão deixa de existir.
(à suivre)
- Eu morro a rir, isto até faz mal!
- Testezinho matinal
Esqueceste-te de descalçar as botas para sentires nos pés nús as letras dos poemas. 😉
Algo me diz que não te devias deixar ir, ou sim? Estará lá a memória a recuperar? Será que os pássaros te guiam para o coração? O unico lugar vermelho onde as letras dos poemas se juntam com sentido?
A gente espera. 😉
Já não vou de férias. Já me lixaste o esquema lol.
Chuac
Ai Duende, Duende, estou descalça, as botas não eram dela. Ainda não viste nada, filha, mas eu que já ‘escrevi’ a história, até me custa passá-la para aqui…:(
Maré, eu avisei, é uma história negra sobre vazios onde se perdem as memórias.
Jinhos.
Se calhar devias ir de férias…LOL! Bof, são só exercícios de escrita.
A ameaça mantém-se de pé (e sem botas). Claro que depois há ainda a considerar a história que ainda não foi escrita.
Essa é outra história.
Bom, ameaça, mas agora cumpre a tua parte! Eu cá vou óó! Beijo. 
Vale sempre a pena vir a este blog que começa (começa não, definitivamente é) u “must”.
Continua.
Obrigada, Carlos.