100nada

Já indo, já quase tendo ido

E já com um pé lá e outro cá, o dia mais esperado do ano, aquele que antecede o dia em que tenho pela frente dias e dias lá. Lá, sempre lá e lá para sempre, que não há outro destino que não aquele que trago sempre dentro. E já se metem vestidos e casacos nas malas e saem as coisas guardadas para depois usar lá, aqueles brinquedos, aquele papagaio, a prancha e mais os vernizes das unhas que hei-de pintar na varanda e mais a bola e os patins e o portátil para ficar no saco. E saem sacos e malas e mais os recados e as últimas horas e o casaquinho para a viagem que pode esfriar na estrada para norte e mais a chanata e a sapata mais quente e três pares de meias que mais para diante as noites deixam de ter tantas cigarras e nunca se sabe se se levanta um vento. E já antecedo a vista e a relva e a miudagem aos gritos e eu aos berros e os fins de tarde a cortar agapantos sem me importar (muito) com os bicharocos. E mais a família, a próxima e a primalhada e os jantares e almoços e eventos e mais criançada -tanta!- e mais as horas na conversa à mesa e os livros lidos. E mais os planos, todos, metade que não acontecem mas não faz mal nenhum porque de certeza que é por ter havido coisas melhores. E toda a gente, toda, da minha infância, de toda a vida e é isto, sabem, é isto, a terra e essas pessoas que estão connosco desde que somos pequenos até quando formos muito velhinhos. É isso tudo, as nossas raízes, os ramos, o vento nas nossas árvores.

Lá vou eu, já indo, já quase tendo ido, já lá estou, quase quase.


Bolsa para Gajas Enxergadas (BdF)

É um facto mais que confirmado pelos últimos tempos: nunca se sabe quando a crise bate à porta e qualquer criatura sensata deve ter sempre o seu pé-de-meia, as suas poupanças investidas em diversos cestos, uma diversificação de carteira com fim à minimização do risco. Há poupanças seguras, em produtos tradicionais e conservadores mas um aforrador, com um olho na crise e outro no futuro (nunca se sabe o dia de amanhã, por mais que hoje esteja soalheiro), pode sempre destinar uma parte – que até pode ser pequena ou mesmo apenas simbólica – em produtos de risco mais elevado, como a Bolsa.

Neste caso, aconselha-se.

É um facto mais que confirmado que qualquer gaja que se preze precisa de fazer os seus investimentos numa Bolsa que, vamos chamar-lhe assim, sem paninhos quentes e sem ser no título para não ofender sobrinhos mais novos e tios mais velhos: a Bolsa das Fodas (BdF).

A BdF é aquilo que é representado pela antiga agenda de telefones de contactos, que pode ser nossa ou das nossas amigas ou de amigas das nossas amigas. É sempre de desconfiar quando a dica de Bolsa vem de amigo. Os gajos, nestas merdas, não fazem boas recomendações. Ou porque são mais nossos amigos que os amigos cotados em Bolsa ou porque são mais amigos dos amigos cotados em Bolsa do que nossos ou porque também querem estar cotados em Bolsa e não querem cá concorrência. Uma dica de uma amiga é sempre mais de seguir. Uma amiga chegada que nos quer ver felizes ou uma inimiga figadal que nos deseja o pior deste mundo, têm sempre uma coisa em comum, em termos de recomendações de BdF: não querem falhar. É uma vitória pessoal juntar duas almas gêmeas, mesmo que seja só para copos e depoizes sem direito a pequeno almoço.

Deixando de parte estas considerações, vamos então ao que interessa que é analisar a BdF. A BdF é constituída por produtos cotados, disponíveis num mercado livre e que obedecem à lei da procura e da oferta. Ou seja, os mais procurados têm um preço mais alto e ninguém quer acções do Benfica, perdão, de losers. No seu todo, o PSI 20 (ou 40 ou 60, ou 4.000 conforme o número de amigas, amigos, dicas, contactos e sucesso nas redes sociais) sofre também com alterações estruturais, evidentemente. Se a maré está para a boa onda, ou porque é verão e tá calor, ou porque anda tudo contente, ou por qualquer outra causa misteriosa (sai um novo jogo de corridas de carros para as Playstations ou Portugal ganha o Mundial), lá sobe o PSI e é mais complicado encontrar investimentos que se consigam ajustar às necessidades. Se a coisa tá preta, é inverno, tá a chover, doem as cruzes aos produtos e os descapotáveis meteram água, o material escolar e as botas e mochilas dos miúdos caríssimas, tudo a descer: e é nessa altura que se conseguem produtos mais variados e mais em saldos, por assim dizer.

Claro que uma boa investidora não se deve limitar a seguir as recomendações das amigas. Para investir bem deve analisar o produto (ou produtos) onde quer investir. Vou dar exemplos: imagine-se um produto similar à acção da PT. O gajo BdF com perfil PT é um tipo bem cotado, com um preço alto, com boa procura. Um gajo a dar, portanto, todo giraço, uma criatura meio Hugo Boss já a caminho de canastrão mas ainda dentro do prazo. Parece um investimento simpático, não é? Pois. Mas vai-se a ver e ficamos a saber que, quando achamos que é um investimento seguro e o convidamos para uns copos e sabe-se lá mais o quê, o gajo saca do telemóvel e pede licença à mãezinha! “Ó mamã posso ir sair com esta menina? Uma simpatia, gira, bem educada…não, não é portuguesa, é estrangeira…hum, espanhola, acho. Não mamã! Não diga isso, as espanholas não são nada umas grandes putas, ó mamã deixe lá! Eu queria tanto! E já tenho idade para…ohhh…tá bem, mamã, eu não vou…fico triste…mas não vou, não se zangue mais…”
Já se for um homem BdF – BCP. Esse é uma criatura que em tempos era o tipo mais bem vestido da praça. Só se dava com gajos como ele, um tipo sério, todos os domingos na missa, depois desviou um bocado, passou a dar-se com gente menos… menos enfim, a cotação a baixar até chegar a um verdadeiro saldo de fim de época. Investimento mais ou menos seguro, naquela, realmente arranja-se por baixo preço mas depois nunca se sabe se murcha por completo ou espevita.
Por outro lado, um rapaz BdF Mota-Engil, todo engenheiro, de bota e camisa de ganga, a viajar pelo mundo inteiro enquanto fiscaliza a obra, não tá nada mal, para quem apreciar o género National Geographic e aventura divertida.

Penso que já me expliquei. De qualquer forma há sempre uma coisa a reter, nos investimentos que se fazem em Bolsa e a BdF não é excepção: só se factura quando se vende. Ou seja, mantêm-se aquele portfolio ali guardado, mas apenas quando for usado é que se sabe se se ganhou ou perdeu com o investimento. É muito importante esta regra. Não há cá “estou a ganhar imenso na BdF”: Só se factura quando a coisa passa de mãos. (ahn? Que conclusão estúpida, não era nada disto, mas é a conclusão lógica…caneco, esta parte não me saiu nada como era previsto…)


Back to the Future, uma gaita!

Há uns dias comecei a ver pelo FB fora que era o dia em que o miúdo do Back to the Future, agora não me lembro do nome, Michael Apalermado Qualquer Coisa, chegava ao futuro. Com imagem e tudo. Claro, também eu disse, ah que giro e ainda não temos skates com asinhas, mas em 1984 também não havia crianças produzidas em massa por tubos alfa e beta. O futuro nunca é como se imaginou lá atrás, tirando o Júlio Verne, que devia dar uma perninha na Nasa ou no que passava por ela.

Vai daí, segredam-me ao ouvido, é tudo aldrabice e eu fui googlar. É fácil, basta escrever no google “Back to The Future II” (foi no segundo filme, dessa parte ainda me lembrava) e a coisa devolve logo o site do IMBD, onde se pode ler ” The second part of the trilogy begins as Doc, Marty and Jennifer take the time-traveling DeLorean into the year 2015 to straighten out the future of the McFly family.“. 2015, não sei se repararam. Nada refere dia 6 de Julho de 2010. Em lado nenhum.

Então o que é que aconteceu? Está tudo aqui explicado pelos “culpados”, TotalFilm.com. Após uma converseta de escritório, dizem eles, lembraram-se que a data era referida no filme, photoshoparam o desenho e twitaram. A coisa cresceu e tornou-se mais um mito urbano, divulgadíssimo.

A data certa é 21 de Outubro de 2015. Ainda há 5 anos para conseguir skates voadores. Vamos conseguir! :)


Opiniões de gajos

Passa por nós uma rapariga com uma saia curtíssima e umas pernas espectaculares. Eu digo

– Caramba, que saia tão curta! Que pernas!

e diz o me home:

– Aquilo não é uma saia…

e diz o miúdo:

– As pernas dela são giras?

e eu respondo:

– São, pois.

– Main, querias umas pernas assim?
– Claro! A senhora tem umas pernas lindas!

e diz o me home:

– Aquilo não é uma senhora…

e diz o miúdo:

– As tuas são muito mais giras!


Sobre malas espalhadas na rua

Passei por uma mala de roupa aberta no passeio e várias peças espalhadas no chão. Há uns dias já e não consigo separar essa imagem do tipo que vi embrulhado num cobertor (nesse primeiro dia de há uns dias). Mas a roupa da mala era de senhora e penso que talvez estejam ligados, esses dois acontecimentos, apenas por serem pedaços de vidas sem-abrigo.
À quarta ou quinta vez que por ali passei e sem rigorosamente nada a ver com aquilo que se passava no chão, antes porque alguns pensamentos (questões? conclusões? reflexões?) ficam sempre marcados com a imagem física do momento, mesmo que não estejam ligados de forma alguma (sim esta frase acaba aqui, que me esqueci de escrever o resto, mas segue na próxima). O caso é que, quando se está a roer qualquer coisa, o pensamento vai para um lado e uma parte da atenção tem que se fixar noutro lado qualquer, o visual sendo o mais fácil, senão ainda se perdem neurónios na eventual explosão. E os neurónios são bem escasso, cada um que desanda, é menos um e não há lá outro de substituição.

E ali, entre a mala e a roupa e as coisas espalhadas, pelo chão e por outros lados, tantos, tudo baralhado e misturado, coisas assim roubadas ou dadas e deitadas fora, a memória de um homem embrulhado num cobertor a afastar-se, tudo separado, tudo ligado, tudo sem nada a ver e tudo o que se aproveita em imagens, pensei que as coisas são assim e são como são. E não vale a pena uma pessoa desunhar-se a desviar-se, porque se está ali não adianta olhar para o outro lado da rua e fazer de conta que não está. Só existem malas espalhadas pelo chão, porque há chão – e malas (que é uma conclusão pouco filosófica mas prática).


Fitas a voar

(fui procurar à Soca a base, mas não encontro, depois hei-de colocar o post onde escrevi isso *, mas não interessa, nem é continuação, é só a ideia sobre)

a inocência e estava uma rapariga muito nova a rodar fitinhas nas mãos, no relvado ao pé do lago, imensa gente sentada ou deitada, devia ser Junho mas era outro Junho, era Junho com sol, talvez fosse Julho mas Agosto não era. Ela, em pé, a rodar fitas ao som de nada, das vozes de toda a gente a falar baixo, do sol e dos patos, descalça, toda a gente descalça, nada é tanto Hyde Park como aquele relvado, mas agora se calhar já não é, foi há muito tempo, ainda havia sol em Junho. Conto o tempo, não, não foi assim há tanto tempo, curioso como passa num instante, o tempo, mas depois parece que passou imenso. Não é o tempo, são as coisas e até poderia ter sido ontem, mas se tivesse sido ontem, eu lembrava-me, lógico. São as coisas que acontecem e passam depois que causam que o tempo seja, simultaneamente, curto e muito.

De regresso às fitinhas, depois deste desvio propositado, que me coloca na linha direita. Oh eu sei, sei tão bem

– só se ama realmente quando ainda não se sabe o que é isso, quando a inocência iadaiada

mas ali aquele “iadaiada” a estragar tudo, lamento, mas já foi mesmo há muito tempo e agora, tenho tendência a concordar; era uma vez um cínico e agora sou eu. Giro, isto, dos pigmaliões: quando nos querem transformar naquilo que já somos, o que acontece é que nos transformamos neles próprios.

[* encontrei: “Um estado de alma, a velhice“]


Contas às cruzes

Conta histórias, digo-me, conta histórias, conta coisas, essa expressão tão horrorosa, conta coisas, vá debita coisas que não têm interesse nenhum mas enchem o tempo que podia ser tão melhor aproveitado ficando calado. Conta coisas, carneiros aos pulos, carneiros às riscas, carneiros de signo, outra coisa tão cretina, como se um par de cornos nas estrelas tivesse alguma coisa a ver com os caminhos – de cabras mas das giras – onde vamos pousando os saltos compensados, um gajo chega a uma idade onde é tudo compensado, equilibrado, a direito e de repente os caminhos de cabras giras são uma estrada de betão sem uma risquinha amarela que seja, uma, riscas, só brancas, de zebras bandarilhadas a sinais de peões.

Já para lá das histórias que, em passeios largos, é fácil evitar o entulho, vai um led a apontar caminho que a prática do desvia! é grande e nunca se lá chega, vai-se olhando ou mesmo sem olhar, já se sabe, desvia-se e já lá vão os dedos à frente do pensamento a debitar um contar de coisas inúmeras para encher o espaço que podia ficar em branco mas também se quer menos claro. E já se embrulham os dedos uns nos outros em pausas e logo as mãos a planar que não há tempo para paragens e não havendo tempo, inventa-se e preenche-se com qualquer coisa que poderia ser uma história mas acaba sempre em empate, sempre.


No semáforo vermelho

Uma rapariga muito alta atravessa a rua (três faixas) com o sinal dos peões em verde. Leva pela mão um menino muito pequenino. Acho graça ao contraste, ela de braço esticado para baixo, ele de braço esticado para cima. Na faixa do meio, ele pára, ela pára. Olha para o sapato, depois para qualquer coisa no ar, depois fica a olhar para um carro. Ela, parada, com o menino pela mão. Depois, ele recomeça a andar, ela recomeça a andar. Ao lado vão atravessando pessoas apressadas, que o sinal pode fechar e são três faixas de cada lado. Aqueles dois, com uma enorme calma, conseguem atravessar três faixas durante o tempo todo que o sinal está verde. Ficam quietos no passeio do meio, quando o sinal cai para vermelho.

E eu a achar lindo. A pensar, 99,9% das mães (provavelmente eu incluída) puxaria pelo braço da criança, anda lá embora, despacha-te, olha o sinal a fechar e ainda faltam quatro faixas para atravessar, vá lá, toca a andar, esse carro, esse sapato, esse pó no ar agora não são nada interessantes, vamos embora filho!

Mas aquela mãe é que está certa. Completamente certa. Há coisas muito mais importantes que a pressa.


A Islândia, esse país de radioso futuro!

Cada vez gosto mais da Islândia. Um país que ninguém dava nada por ele, entra em dívida extrema, enerva-se tanto que aquele conjunto de meia dúzia de pessoas e mais umas quantas cabras, através de psicoenergia sustentável, consegue ligar o botão a um vulcão e literalmente espalhar (mais um bocado d)a crise (e cinzas) pela Europa toda, incluindo as Canárias. Tá ali um sítio no mapa que ninguém consegue bem apontar onde é e vá de parar aviões em todo o mundo, só com um bocado de pó no ar e um vento de feição.

Agora isto:

um humorista arranja um partido “O Melhor Partido”, promete não cumprir nada de promessas eleitorais e mais umas alcavalas sob a forma de um urso polar no zoo, toalhas grátis em todas as piscinas e acabar com as drogas no parlamento até 2020 e ganha as eleições na cidade de Reykjavik.

Isto é o futuro. A parte do vulcão pode ser mais complicada, mas quem diz vulcão, diz deslizamento de terras, chuva intensa, sol na eira, três semanas de crise, enfim, não interessa. Mas a malta votar contra desta forma, ui ui. Quem conseguir agarrar os votos de quem não vota, eles andem aí, madurinhos da silva. Maravilhoso.

Por mais incrível que pareça, nada me restabeleceu tanto a fé na humanidade como estes islandeses.