Entre as chuvadas, alguns momentos de céu branco e luminoso, o sol a bater do lado de lá das nuvens. Tudo o que não é cinzento de ramos sem folhas, verde, muito verde, um verde contrastante e brutal, a relembrar que a vida ali está, debaixo da terra, que as minhocas saem nessas alturas. Aproveita a passarada para sair também e ir almoçar, sem ligar pevide à espectadora imóvel que fuma cigarros no alpendre. A passarada, digo eu, que até há tão pouco tempo chamava pássaros a bichos com asas que voam, piam e, quando muito, eram talvez pardais. Mas o tempo convida à contemplação e ali estou eu a distinguir pássaros, esses até agora pardais, sem me saber sequer interessada até ali.
Que me apareceram de repente, como são todas as coisas que nos chamam, de repente, a atenção, ou foram aparecendo ao longo dos dias, primeiro os corvos, em tempo cinzento sem luz, enormes e pretos, já os sabia por perto, mas o inverno distingue melhor, sem grandes distracções de formas ou cores. Em silêncio, que nada mexe com corvos por perto, grasnam e ficam pousados numa árvore durante muito tempo, investigam os arredores e depois, lá se atiram à terra, um após o outro, quando tudo parece seguro, como se algum pássaro se atrevesse a meter o bico de fora e eu pasmada, achando-os belíssimos e uma injustiça que sejam pássaros de má sorte, mas aquele feitio talvez não ajude, a seriedade e o descaramento negro à mistura. Levantam voo depois, quando lhes parece que alguma coisa mudou de sítio, um ramo talvez, que se move com o vento e desaparecem lá ao fundo. E, nem trinta segundos e o verde enche-se de…pardais? Não, não são pardais, são alvéolas, sei depois, aos montes, muito pequenas e saltitantes, alegres agora, depois de escondidas, cheias de fome talvez, terem esperado pelo desaparecimento dos corvos.
E já os pardais aparecem e agora os distingo, nada parecidos afinal, tão diferentes, bastam uns dias e como é que chamei pardais a todos, era passarada, agora têm nomes e conheço-os e estão ali todos. E depois, um dia, um dos choupos, só ramos, pejado de mais pássaros pretos, são todos pretos em fundo branco, com o verde do chão, não há mais cores e no choupo, conto-os, dez, quinze, vinte? Não consigo distinguir, um choupo, só um, carregado de pássaros, os outros todos vazios. Levantam em bando e voam sobre o verde, pousam mais além, sempre juntos e mais uma volta, como se soubessem que estão a ser vistos e admirados. São estorninhos. Estes não se vão embora no final do verão, ficam durante o inverno. Aves de arribação, mas vão ficando, talvez gostem do sítio, talvez o inverno lhes seja menos duro que o voo para sul, talvez se tenham atrasado alguns, um dia, foram ficando, um dia e depois mais um, de cinzentos ou céus brancos, dias de silêncio cortado pelo grasnar dos corvos e pelas minhocas que saem após a chuva.
Pudesse eu ser estorninho (até comia minhocas se fosse caso disso).