Há uma tontura. Não é bem uma tontura nem é grave. Não tira o sono (não?) nem se pensa muito nela, mal se sente. Não é bem uma tontura, é uma curva. Não, também não é bem uma curva, é um cruzamento à beira do sentido do pensamento. É curva na medida em que se pode virar de repente e enveredar por esse atalho e é tontura por causar um certo desfasamento da realidade.
Falo da estrada que tem por placa de entrada a palavra Se. É o caminho para Se embora o caminho seja já Se, como se Se começasse logo ali, umas casas ainda antes de chegar a completamente Se, uns bairros-satélite, uns prédios no alto de um monte, um muro meio a cair de uma quinta, tudo prenhe de Se mas ainda sem se ter lá chegado.
Imagino a placa, de madeira pregada num pau, enter Se at your own risk, como nos filmes, quem sabe uma caveira se for série B, ou um abutre desenhado por Morris, gosto mais desse, e uns bocados de alcatrão e penas; Se, beware of the alcatrão e penas (tar and penas? adiante, inglesismos é o que dá, depois saem todos mal), mas o aviso, seja ele qual for, é sempre um aviso visível. A Terra de Se é um local perigoso para qualquer um, mesmo avisado. E claro, com avisos assim, poucos resistem. Não me faz mal a mim, todo esse Se, estou bem agarrado ao chão, exclama o incauto com bravata, a pior forma de entrar em Se; Se não gosta de falta de respeito, Se é sítio que morde a coragem, que rói todos os ossos dos que pensam que não são afectados por Se.
Se entra-se pé ante pé, pois resistir é quase impossível, mas melhor seria. Pezinhos de lã e bico calado, um pouco fora da estrada, atrás das árvores, à espreita, discreta e silenciosamente. E talvez Se não dê por nada e talvez não atire
uma hipótese qualquer das que, de repente, parecem tão plausíveis
um Se dos mesmo grandes
um daqueles que transformam a tontura numa amona que arrasta para dentro de mais completamente Se
talvez assim (mas só assim) Se não nos afogue.
posted by luisa c. (aka eu) 25.10.05 na Soca