Não ia escrever nada para além de obrigada, nem ontem nem hoje.
Mas calhou que estou para aí virada sem saber, como sempre, o que daqui sairá; pouco me importa também. Noutras alturas preocupava-me mais com alguma coisa que estivesse para além do que escrevia, uma imagem, uma frase, um coelho qualquer que tivesse saído de uma cartola ou descido por um poço. Agora não. Talvez seja essa a razão que me leva a escrever, no fundo. Nunca releio este meu blog nem lhe encontro agora grande razão para existir (resistir talvez), cortadas que foram as oportunidades de aqui vomitar estados de alma e de trânsito, quer por razões internas, quer pelas mais prosaicas de todas (está no blogger e eu detesto o blogger). Ontem, no entanto, fui reler alguma parte do que escrevi nos meus dias de anos, até para tentar medir a distância que vai dessa pessoa até agora. Muita distância, anos de vida (passe a redundância) me separam da angústia de entrar nos quarenta e prosseguir nesse caminho de entas. São números, mas os números (mais do que os anos) pesam na cabeça e corre-se o risco de pesarem também na alma. Já me pesaram e, claro, um gajo não vai para mais novo, às vezes pesam noutras coisas, no corpo, na memória, na indiferença, no cepticismo e cinismo com que se olha para o mundo; é inevitável, um gajo cresce e não cresce na direcção da inocência. E dito isto, páro (e acendo um cigarro e olho para umas escadas debaixo de água) e tenho alguma dúvida se não haverá qualquer coisa de não-exactamente-aquilo-mas-parecido. Não, não se cresce na direcção da inocência, mas cada vez tenho mais a sensação que se cresce (também) na direcção da pureza. Pureza como estado de alma, como uma espécie de afinação de todos os sons, um acerto de miras, um foco mais direccionado para aquilo que é realmente importante na vida. Pureza como limpeza de tudo o que é insignificante, todas as merdas que nos incomodavam antes, merdices e tretas e coisas com as quais perdemos tanto tempo (anos de vida) e acho que é isso, essa direcção que limpa e foca que, em vez de nos tirar anos de vida, nos acrescenta. E é por isso que hoje, uns anos mais velha, me sinto muito mais leve (e muito mais nova do que já fui).
E depois, no fundo, aqui sempre se disse que se seria feliz nem que fosse ao estalo e não foi preciso estalo nenhum.
Obrigada.