Às vezes pergunto-me onde andarás tu? Que ainda respires e te mexas, é quase estranho pensar nisso; egocentrismo da minha parte, por certo, achar que quem desaparece deixa de respirar e de se mexer, que morra, enfim, já que morre para mim. Apanho-me assim, numa altura qualquer, às vezes pode ser uma altura propícia até, uma árvore, o cheiro de uma bolota de eucalipto a desfazer-se na mão, uma nota de Bach, um livro emprestado que nunca te devolvi, as cuecas que cá deixaste (espero que não te façam falta). Mas não me sobram tantas alturas propícias (talvez preferisses ser relembrado frente a um mar batido mas calha também ser a estender a roupa ou a mexer a eterna sopa que esteve sempre ao lume enquanto exististe) e não te posso dizer que seja sempre numa altura bonita. É quando apareces, calha assim: surpreendo-me por existires sem linhas que te prendam a mim, que respires e te mexas (nada indica que tenhas pifado), surpreendo-me ainda mais que existas neste preciso momento em que te escrevo, que estejas algures no mundo a viver. Acho sempre isso esquisito, que queres, sabes perfeitamente que sempre fui uma criatura para quem o mundo termina ali adiante, só chega onde o olhar alcança, depois disso, nada, nem sequer me interessa. Não me interessas, confesso. Nem tens rosto já, ou tens vários, como lerás nas minhas palavras, quando aqui vieres à minha (e à tua) procura, como sei que continuas a vir. Hás-de encontrar-te já misturado (é assim que as coisas são, quando passam a naturezas mortas) e eu estranho que aqui voltes se estás morto e pergunto-me, nessas alturas em que me lembro de ti, onde andarão tu?