100nada

O modo foda-se

Queria escrever ou, vá, estava a pensar na falta de abandono com que se escreve (escrevo) mas depois ou ao mesmo tempo, nem sei, também me começou a moer outra coisa, daquelas que fica entre a comichão e a dor de dentes e, lá está, a falta do abandono na escrita e essas merdas, tudo se liga. Tinha muita coisa para dizer e já só me rio, é isso.

Chame-se então à coisa, porque é preciso nomear o mundo, o modo foda-se. Parece-me perfeitamente claro e não deve haver ninguém que não passe por esse modo uma vez de vez em quando ou até todos os dias. O modo foda-se é aquilo que se quiser, faz parte de um modo tal ter essa característica volátil, aplica-se a tudo, pode ter vários graus de intensidade consoante a própria pessoa; comigo arranca a duzentos e é para partir aquela merda (seja o que for) toda e já. Depois, como sou uma pessoa calma e ponderada, tento apanhar os pratos a voar e tenho aprendido que é uma questão de prática, nem deixo muitos cacos nem nada. Mas havendo, em modo foda-se não interessa lá muito, de qualquer forma, a parte da cola só vem mais tarde. Essa é a segunda imediata fase da coisa: ficar a apreciar o voo do prato que se atirou e achar que devia ter sido com mais força. Nesta altura continua a haver uma total falta de neurónios, estão todos ocupados a assobiar para o lado e a sair do caminho não vá sobrar também para eles, alguns mais entusiastas batem palmas do primeiro balcão (também há neurónios que gostam de ver o circo pegar fogo) e ainda há os outros, os que tocam a sirene e saem com os camiões cisterna, já a desenrolar mangueiras, mas são sempre poucos e a sirene mal se ouve com a gritaria e assobios dos outros e mais os silvos dos pratos voadores quase a quebrar a barreira do som. Um modo foda-se dos bons é uma rave cerebral, dispara tudo para todo o lado e essa é a terceira fase: disparar contra o prato. Já que vai a voar, não é? Está mesmo a pedi-las e faz ainda mais efeito. Esta é a parte em que o prato em si só interessa porque vai no ar, ninguém se lembra porquê e sempre se atira em mais qualquer coisa. É o auge da festa, com fogo de artifício a rebentar nas mãos e não se nota senão passado um bocado

e é nesse depois que se tenta apanhar a chuva de cacos antes que caiam, a tal questão de prática, embora não dê muito jeito com as queimaduras. Mas faz-se, melhor ou pior.

Mas então o modo foda-se serve para quê, exactamente? Parecendo giro e animado, não tem grande utilidade em si, é um facto. Mas também não se conseguindo passar ao lado, é bom saber como funciona e gerir a coisa de uma forma eficiente de duas maneiras: usar esse modo em substituição de outros modos muito mais merdosos e deprimentes e passar o modo foda-se inteiro em compartimento totalmente estanque. Sem som. Pode eventualmente abananar um bocado o cérebro de uma pessoa, mas se é uma rave, não se espera outra coisa. E depois siga, haverá mais noutro dia e uma pessoa até se habitua. E só se ri.

One thought on “O modo foda-se

  1. Ricardo Teles

    Sempre que me acontece vem-me uma grande baixa de tensão e um momento que se segue, deprimido. Especialmente se nos voltamos contra os outros… Mas é avassalador e assusto-me. As vezes apetece mandar tudo pras urtigas. Só me custa os cacos e os pertences tornados estilhaços. E a vida e não ter dinheiro para repor a loiça. Prefiro a última hipótese do compartimento estanque e sem som, diga-se gritaria e música a rebentar. Com tudo, a paciência. Dos vizinhos. Mas já não a temos não é!? Que se f… Antes vivo que remoer. Diz que provoca o cancro… Se calhar é o motivo porque ainda andamos tão bem de saúde.
    O modo “dasse”. Escrevo pra esquecer o mal que faço. Mais valia, com a falta de jeito partir um prato, já que não mato moscas por principio…

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