100nada

3. A crise financeira trocada em moedas de cinco cêntimos – Intervalo para Reunião de Emergência de CA *

[* Conselho de Administração, já não cabia no título]

– QUEM É QUE BANDOU BETER HORBODAS NOS FRANGOS?

berrou a Presidente do Conselho de Administração da Empresa Primos SA, ainda não estavam todos sentados e imediatamente os três outros primos olharam para o Dr. Santos. O Dr. Santos, CEO, aguentou o olhar dos quatro ao mesmo tempo e respondeu:

– Se a Maria queria frangos maiores à força de milho biológico, esqueceu-se de me dizer a marca…

e a ordem foi restabelecida na sala.

É nesta primeira crise da Empresa Primos (esqueci-me do resto do nome) SA que se começa a ver o calibre de accionistas e gestores executivos. A crise é deveras grave:

Por um lado, não só temos algumas verdades a correrem pela Rádio Alcatifa (que, como toda a gente sabe, é forma de comunicação mais rápida que a velocidade da luz) que acabam por sair das portas da empresa (realmente os frangos estão alimentados com hormonas), como alguns boatos que foram crescendo:a Maria só tem uma gripe e as alfaces estão amarelas, para experimentar uma variação de cor no mercado; infelizmente o director de Marketing teve um ataque de qualquer coisa que não quis dizer (mas que tem aberto todas as emissões da Rádio Alcatifa, incluindo marcas do que lhe foi receitado e como e onde e quantas vezes aconteceram para ter adoecido daquela forma), esqueceu-se de dar andamento à campanha publicitária e os seus colaboradores estão a aproveitar aquela aberta para se actualizarem na net (e jogarem patos e loops o dia todo). Estes factores, em conjunto, quando saem da porta da empresa e entram no circuito da comunicação, já não interessa se são verdade ou se não são: os compradores e vendedores de acções são pessoas que reagem muito depressa. E, uma vez em queda, há sempre um efeito bola de neve.

Por outro lado, pela primeira vez na vida daquela empresa, aquele conforto relativo de domínio de mercado, está ameaçado pela concorrência. Não é uma concorrência qualquer. É que na Aldeia Global cabe toda a gente, incluindo aquela que produz a custos muito menores. E, se o consumidor é capaz de pensar duas vezes na qualidade daquilo que lhe custa uns valentes patacos, nos produtos mais baratos, prefere sempre o mais barato. Afinal, caramba, qual é a diferença entre uma alface verde produzida numa empresa que tem custos de produção e mais aquelas alcavalas todas de subsídios e planos e horas extraordinárias e descontos para o fisco e segurança social e outra alface verde que é produzida numa empresa que não terá senão os custos de produção? A única diferença é que a primeira alface é produzida na Aldeia Básica nº1 (e arredores) e a outra é produzida na Aldut Basikinchin I. E quem compra as alfaces, escolhe a alface que quer na sua salada.

O problema é que, se as alfaces conseguem ir de um lado para o outro, já os moradores têm mais dificuldades (embora eu desconfie que os moradores da Aldeia Básica nº 1 não estejam muito interessados em ir viver para a outra, quanto mais não seja porque na deles têm as tais alcavalas e na dos outros nem por isso). E mesmo que a livre circulação de pessoas fosse absoluta e total, a verdade é esta: ambos os moradores das duas Aldeias escolhem as alfaces provenientes de Aldut Basikinchin I.
As alfaces da Aldeia Básica nº 1, aka da Empresa Primos SA, estão condenadas.

E aqui os sócios têm várias alternativas:

A mais fácil para o problema da Bolsa é pedirem mais umas coroas emprestadas e comprarem eles umas acções. Um valente lote de acções da empresa. Isso fará com que a queda daquele título possa ter uma recuperação e os investidores (os donos das acções da empresa) vêem a tendência virar, ficam mais tranquilos e o mercado acalma.

(esta explicação é tão simplista que até dói à Maria, mas adiante;) entretanto ela fica boa da gripe, o que será visível e o Press Release sobre as Alfaces Cor de Sol Para Alegrar a Sua Salada de Inverno é finalmente divulgado, o que será tomado como desculpa, mas as alfaces até são giras e lá se vendem e são diferentes das outras verdes da concorrência. A Empresa diversificou a sua produção e já pode concorrer, durante uns tempos, com aquelas alfaces.

[Nota do autor: por favor não perguntem pelas maçãs, coelhos e galinhas e imaginem maçãs azuis, coelhos e frangos congelados e já temperados ou outra coisa qualquer; a empresa adapta-se e sobrevive]

Outra alternativa, que um dos primos da Maria está agora a propor é mais complicada. Na realidade, este primo está farto de alfaces, maçãs, galinhas e coelhos e sente que nunca tem tempo para tirar férias numas ilhas paradisíacas. A ele parece-lhe que a empresa está completamente condenada e, antes que a coisa fique mesmo preta, o melhor é salvarem o deles. Se calhar podem aumentar as despesas de representação, não? E mais uns pozinhos aqui e ali que não se notem muito e que vão parar a umas contas offshore em qualquer lado onde não sejam feitas muitas perguntas (verdade seja dita, cada vez mais difíceis de encontrar). Depois, quando a empresa falir, logo se verá…mas o que é certo é que os últimos a receber o que sobrar depois de se pagar tudo o que se deve, são os accionistas, só que nessa altura já estamos todos em Honalututu, a beber margaritas.

(esta é mais difícil de implementar, já que a supervisão das empresas cotadas em Bolsa é mais apertada, como todos nós sabemos…)

Mas a Maria não aceita esta proposta. Fartou-se de dar o litro pelas alfaces (e pelo resto), está com gripe, dói-lhe a cabeça e nunca foi muito à bola com aquele primo. Decide que se viabiliza a empresa, com diversificação de produtos em nichos de mercado que ainda não estão preenchidos (são os primeiros a ter alfaces amarelas) e manda o primo estudar a possibilidade de futuras alfaces vermelhas para a Patagónia. Assoa-se mais uma vez, pergunta se há mais alguma coisa, diz ao Dr. Santos que depois logo conversam sobre umas quantas coisas, levantam-se todos e nessa altura

entra o secretário da comunicação na sala, esbaforido, e exclama:

Meu Deus! A Empresa Couves Roxas e Irmãos, SA, está a anunciar que compra todas as nossas acções a 10% acima do preço da cotação média dos últimos 3 meses! Nunca se viu nada assim! E agora?! O que é que fazemos?!

A Maria, calmamente, arruma os lenços de papel na carteira e responde:

– Vocês não sei. Eu vou para casa tomar um chazinho com mel e limão e dois paracetamóis a ver se amanhã tenho cabeça para tratar dessa OPA HOSTIL.

(à suivre)

[Nota final do autor: nem todos os procedimentos deste texto são legais; mas serão possíveis]

0 thoughts on “3. A crise financeira trocada em moedas de cinco cêntimos – Intervalo para Reunião de Emergência de CA *

  1. catarina

    Do modo como as coisas andam, lá para o capítulo 73, ainda acabam nas hortas outra vez. A menos que o Biche, que é um dos Chefes Máximos da Aldeia Global, consiga fazer a aprovar uma tangaria qualquer…mas isso é lá mais para diante.

  2. @na

    e que tal se em vez de estares ‘praí a aguçar o apetite com cenas dos próximos capítulos começasses era a escrever o 4º?

    (olha que eu acho que tinhas futuro como argumentista, sempre era uma alternativa às novelas da TVI, será que o JEM lê o 100Nada?)

  3. catarina

    ahahahahahahaha lindo! Tá caladinha e vai mazé escrever o resto! AHAHAHAHAHAHAHAH!

    Hum, isto trocado em alface ainda marcha, agora em sexo para adolescentes, é capaz de ser mais difícil. Mas podia ser uma fábrica de preservativos…uma loja (?) de tatuagens e piercings…uma livraria, livrarias interessam aos adolescentes, não? Não?!?? Como não?!
    (tazaber porque é que eu como argumentista não funciona?)

  4. catarina

    Eu ia a escrever “discoteca” na lista mas não dá. Mercado completamente diferente, outras regras, outras finalidades. A noite é um mundo económico que não é cotado em Bolsa…no entanto tem algumas “virtudes” nos modelos (para além das óbvias de se beberem uns copos e a rapaziada até ficar mais comestível com o andar das horas) porque rola muito dinheiro vivo, penso que dê para muita coisa à base de lixívia e assim, mas sinceramente não estou por dentro.

  5. catarina

    hehehehe mas eu só funciono em blog, sou muito intermitente. E agora que ninguém aqui nos ouve, duas coisas, uma delas é uma certa questão de fundo: não *. E a outra, beijos e boa noite que vou ver se consigo acabar o loop onde encravei no resto dos sonhos.

    * mas um gajo vive depois a puxar o travão de mão, o que também causa umas piruetas giras.

  6. Carla

    Bom, muito bom, Cat.

    (e esqueça lá o “i”, que escapou a todos, ainda se vissemos a sigla teria sido mais fácil de detectar)

    Parabéns. Aguardo continuação.

    Linko, posso?

  7. Cool Mum

    Getting better and better.
    As Marias já são gente de outra geração, dos selfmade man/woman, dos Belmiros desta vida, das empresas familiares (mas isto já sou eu a divagar)…

  8. calamityjane

    Com esta é que me lixaste! É que tive (boas) aulas de economia no liceu, mas já foi na outra encarnação… Até agora estava a acompanhar bem mas não consegui perceber por que raios é que é uma OPA hostil. Não é bom os outros irem comprar? E a um preço superior? Ou vão ficar a mandar na empresa? Ai caramba, eu era boa aluna… chuifff…

  9. maria

    Então Cat,não há mais?:D… O presidente continua com uma deficiência na glândula?lol “”- QUEM É QUE BANDOU BETER HORBODAS NOS FRANGOS?””

  10. catarina

    calamityjane, é hostil porque
    1. os sócios gerentes (a família de primos) não foram avisados;
    2. não estão com vontade que a empresa passe para outras mãos mas note-se que não têm a maioria do capital
    3. a maioria do capital está disperso pelos pequenos accionistas.

    Ou seja: estes sócios gerentes não são os sócios maioritários mas como todos juntos representam uma fatia de capital maior que os pequenos accionistas (que não se unem, como eu referi num dos posts), estes é que mandam

    mas se uma empresa comprar todas as acções dos pequenos accionistas passam eles a mandar, como é evidente, porque ficam com a maioria do capital.

    Ou seja, é bom para os pequenos investidores se quiserem ganhar algum e vender, mas para quem gere a empresa é péssimo 😀

    Não é preciso esquecer as aulas de economia no liceu, ainda há bem pouco tempo assistimos a algumas Opas hostis nos nossos mercados.

    Já agora adianto que, a minha ideia, ao trocar todos estes conceitos por coisas simples serve também para as pessoas perceberem quando ouvem notícias de casos concretos. Isto não tem nada que saber, a malta mais armada em carapau de corrida é que complica 😉

    maria, tadinha da Maria (com maiuscula), tá com o nariz entupido. 😀

  11. Pingback: 4. A crise financeira trocada em moedas de cinco cêntimos: Portugal 2010 : 100nada

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