100nada

Pela primeira vez tenho pena

A minha amiga Vieira diz-me muitas vezes que é pena que eu não escreva sobre a minha sabedoria profissional.

Meti uma única vez um post (sobre benefícios fiscais de planos de poupança). Na altura fiquei até um bocado apalermada com as reacções, já que foi citado pelo Adufe e pelo ‘O Vento lá Fora’, apareceu na Grande Loja e acabou por ter uma resposta no Barnabé, resposta essa que depois deu origem a um editorial do Público (claro que a essa hora já ninguém sabia onde tinha começado a coisa, i.e. neste humilde tasco).

Na altura fartei-me de rir e pensei, epá, mas que fácil que isto afinal é. Basta escrever umas coisas e tal (uma espécie de desmistificação de conceitos para leigos acrescida de opinião) e, em terra de cegos quem tem um olho etc, que é o que eu mais vejo pela blogsfera so-called mais séria. Trocado por miúdos (e na minha vida estou careca de ver isso), um gajo diz umas coisas que podem estar totalmente erradas mas com um ar muito professoral e sem dar margem a dúvidas sobre o nosso próprio conhecimento, enfim, alguma arrogância supostamente profissional e a malta, que não domina o assunto, abre a boca e engole.

É como se formam as opiniões de todos os leigos. Naquilo que vão ouvindo e lendo, da boca de gente que, se calhar, nem sabe bem o que está a dizer, mas diz com convicção e a coisa cola. (E claro que não usam expressões como “a coisa cola”, evidentemente.)

Escuso de estar aqui com rodriguinhos sobre o perigo que isso constitui. Estamos todos fartos de assistir à quantidade de calinadas que vamos ouvindo e vendo e lendo, sobre coisas que conhecemos realmente. Mas os egos são grandes e a tentação também. É uma linha muito ténue, aquela que separa a vontade de divulgar algum conhecimento que, pensamos nós, seria talvez útil aos outros, da vontade de brilhar à custa da ignorância alheia.

Em última análise e até depois de tirada a temperatura da blogsfera com esse tal meu postezito mais técnico, achei que não valia a pena, nem tampouco me apetecia. Não tenho, de todo, feitio para dar aulas; o meu tasco serve para me divertir (mesmo que sejam coisas sérias) e não para prolongamento profissional. Ainda corria o risco de, a esta hora, ter alguma coluna num qualquer jornal de negócios, Deus me livre e guarde, a escrever coisas como ‘e depois assim a coisa cola’. :DDD e, ganhando estatuto blogosférico, perder toda a credibilidade do lado de lá.

Mas hoje, pela primeira vez, tenho pena. Quanto mais não fosse, pelo exercício engraçado que seria, traduzir em 100nadês, uma quantidade brutal de coisas que ouvi hoje e que, quanto mais não seja, me irão ajudar a perceber uma série de outras que, de forma indirecta, acabam por nos afectar a todos.

Não o farei. Com pena mas convicta. Não porque queira guardar conhecimento – que é de domínio totalmente público – para mim, mas porque isto é um blog a brincar e um gajo não tem muitas oportunidades na vida para andar na palhaçada: aqui não me apetece levar-me a sério.

0 thoughts on “Pela primeira vez tenho pena

  1. Rui MCB

    Podias ao menos indicar as fontes (as notícias?) ainda que não lhe juntasses a tua opinião… Nem tempo tenho para ler um jornalinho decentemente. Snif. Faz lá o digest… faz…

  2. catarina

    Não eram notícias. :) Era mesmo uma conferência sobre (aqui que ninguém nos ouve) centros financeiros internacionais, fiscalidade…o giro é que saí dali com a sensação que parecem coisas tão áridas e aparentemente técnicas e afinal não só as tendências vão sendo ‘geridas’ por interesses soberanos individuais (essa parte a gente sabe) mas acabam por afectar toda a movimentação de capitais aka investimento (também toda a gente sabe isto, mas estava bem estruturada – e muito bem fundamentada – a coisa)

  3. aNa

    “da boca de gente que, se calhar, nem sabe bem o que está a dizer, mas diz com convicção e a coisa cola”
    já se dizia, que à mulher de César não lhe bastava ser séria. tinha de ser e parecer.
    pelos vistos, nos tempos que correm, parecer é meio caminho andado para se ser – ou que os outros acreditem que se é!
    e a malta a ser enrolada…

  4. pal

    e eu tenho pena como a Vieira, que, ainda que a brincar com coisas sérias, não o faças mais vezes mesmo.
    a coisa séria passaria a mais divertida e com esclarecimentos claros (sim, esclarecimentos claros), aposto.

  5. Vieira do Mar

    Bom, eu sou uma privilegiada, porque ouço à mesma os esclarecimentos e em primeira mão! (é o que dá, ser-se amiga da dona do tasco…hehe). Mas entendo perfeitamente o que dizes, Cat: nas poucas vezes que usei dos conhecimentos “profissionais”, os posts deram a volta à blogoesfera e arredores – foi o meu infímo momento de glória… Mas temos que ter muito cuidadinho, afinal, é o nosso ganha-pão, lá está. Beijos!

  6. Emiéle

    Eu entendo bem o que dizes. Apesar de, por vezes, me aproximar da minha esfera profissional, nunca aqui escrevi nada a sério sobre aquilo que verdadeiramente sei. Do meu lado é um certo ‘recato’, o sentir que o blog é uma brincadeira, e para dar umas bocas sobre tudo e mais alguma coisa, mas não da minha profissão. Porque será? E já me tenho sentido tão tentada…

  7. Alves Fernandes (Pre para @s amig@s)

    Eu também não sei se aguentaria o 100nada se ele aparecesse no com tudo de um blog de carácter profissional (entenda-se o da sua autora). No entanto quero dizer-te que gosto mais de ti quando és mais séria (já o deixei entender noutros comentários)sem que isso signifique que não goste de algumas (muitas) “alegrias” que por aqui deixas. E então quando és séria mas com as tais alegrias – ironias, sarcasmos e até caralh… – atinges o meu top de preferências. Portanto o que falta mesmo? Quase nada na verdade. Só um pouco mais de … bom tu sabes o que eu quero dizer não é?

    PS. Não é minha intenção criticar ou recomendar sobre a “linha editorial”, como tu costumas dizer, de nenhum blog, muito menos do teu. Mas também gosto de dar a minha opiniãozita, caneco.

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