Eu devia era estar a fazer malas
Eu devia era estar a fazer malas, mas fui ao Oeiras Parque ao fim da tarde trocar umas coisas, ou melhor, trocar um vale (cujo prazo estava a acabar) por umas coisas. A loja estava em obras, como metade das lojas de todos os centros comerciais do país (imagino eu que tal facto passe pelo desafogo financeiro em que todos vivemos e o comércio que se desfaz em obras a ver se atrai mais clientela, mas adiante que não é por isso que aqui estou a escrever este post em vez de estar a fazer malas) e eu fui às informações perguntar se sabiam quando é que abria a dita loja. A rapariga das informações estava a tratar de qualquer coisa que não reparei logo o que era e eu peguei no panfleto de notícias do shopping da linha, ou coisa que o valha, e encontrei logo um erro daqueles mesmo de doer: ‘partilhasse’ em vez de ‘partilha-se’, e pensei que se calhar até apresentava uma reclamação e estou nisto e a menina das informações até já me perguntou ao que eu ia e que eu esperasse um bocadinho que ela só estava a tratar daquele assunto e já me diria quando é que reabria a loja e nessa altura é que me dou conta do assunto.
O assunto estava encostado ao balcão, ou melhor tinha o nariz encostado ao balcão e por cima uns enormes olhos azuis um bocado inchados e um ar de eu não vou chorar custe o que custar, uma coisa assim mais ou menos típica de um rapazinho de sete ou oito anos que se perdeu da família mas vai ser corajoso. E o que a menina das informações estava a fazer era informar alguém ao telefone e depois chamou ao microfone a mãe do João; o João (que não se chamava João, claro, mas eu não vou aqui debitar o nome dele) disse como se chamava a mãe e a menina chamou a Sra. D. Tal e Tal que o seu filho se encontrava no balcão de informações. O João pareceu mais aliviado e a menina lá se pôs ao telefone outra vez e depois disse-me que a loja ainda demorava uns tempos a abrir. Fiz um bocado de conversa para ver se aparecia a mãe do João e depois lembrei-me do panfleto e resolvi mesmo escrever a reclamação em parte para fazer tempo: estava a afligir-me mesmo aquele miúdo perdido ali à espera da mãe que não aparecia. Pedi o papel das reclamações, procurei uma caneta e comecei a preencher a coisa muiiiito devagarinho – e a mãe do João nada. Já deviam ter passado uns dez minutos, quarto de hora com tudo isto e o nariz do João continuava cada vez mais baixo encostado ao balcão. A menina das informações, que tinha percebido perfeitamente que a criança já começava a ficar mesmo com medo, começou a fazer conversa, se ele estava só com a mãe (que não, também estava com o padrinho), percebi que se tinha perdido porque pensava que vinham mesmo atrás dele e afinal não vinham e mais umas coisas e eu lá meti a minha colherada e disse-lhe a rir, vais levar um belo raspanete que a tua mãe deve estar mesmo aflita contigo eu também tenho um filho mas é mais pequeno que tu e também tem a mania de ir à frente, e o nariz do João que não desviava do balcão como se fosse uma tábua de salvação e ele precisasse de o sentir na pele, que não iria desaparecer a única coisa que o ligava à mãe, aquela voz ao microfone que voltava agora a chamar a Sra. D. Tal e Tal. Eu, já esquecida a reclamação, encostada ali a pensar mas essa gaja não aparece? mas ao mesmo tempo a pensar que até parece esquisito estar aqui esta desconhecida que eu sou, também encostada a um balcão onde está um miúdo perdido e, no fundo, está bem entregue, a menina das informações já não o vai deixar sair daqui e é bem simpática e entreguei a reclamação e disse, deixa lá, a tua mãe já deve estar mesmo a chegar e fui-me embora.
Ao todo, estive ali pra cima de vinte minutos e aquela criança já lá estava. Ao primeiro aviso ao microfone, não vi chegar uma mãe a correr, desgrenhada e preocupada, que lhe desse uma bela palmada e o agarrasse quase a chorar e lhe desse um raspanete dos grandes e que lhe dissesse promete que não voltas a fazer; não vi ao primeiro nem ao segundo aviso, não ouvi gritar pelo centro comercial fora JOÃO! JOÃO! ONDE ESTÁS FILHO?, não vi as pessoas que tivessem sido abordadas viu o meu filho? VIU O MEU FILHO? a olharem para as informações para ver se lá estaria a criança, não vi seguranças a fecharem portas para não deixar sair a possibilidade de um bandido qualquer arrastar um miúdo, não vi lojistas à porta à procura de um menino perdido cuja mãe tivesse implorado pelo paradeiro. Não. Não vi nada disso. Vi uma criança de oito anos no máximo, a fazer-se forte e corajosa e crescida, esquecido já o desespero de se ter perdido da mãe, com MEDO. Medo que ia aumentando à medida que o tempo ia passando: medo de se terem esquecido dele.
Raispartam aquela mãe que, com a demora em chegar, transformou o filho num bicho abandonado que foi do que me lembrei, dos animais que se abandonam no verão, por mais irracional que tenha sido este pensamento.

pois…
até eu fiquei angustiada, quanto mais o puto…
Eu nem digo aqui o que me apetece chamar a essa senhora…
Eu perdi-me por uns instantes da minha mãe, teria uns 4 anos, na Feira Popular e nunca esquecerei a sensação horrível que foi!… Coitado do puto.
pois eu não conseguia arredar pé até chegar a mãe do miudo! canervos!
Eu já estou como a lyra…não arredava pé até chegar a mãe do “João”. Não ia adiantar de nada, eu sei, mas mesmo assim n arredava.
=/
Esperemos que essa senhora não tenha demorado a chegar e que o susto lhe tenha servido para alguma coisa. . .nem que seja para aprender a mexer-se mais depressa!
PS: BOAS FERIAS!!! Bjs.
Ai que angústia, catarina! Que história horrível.
Eu já perdi a beatriz no hipermercado – ou melhor, ela tinha quatro anos e resolveu “esconder-se” de mim atrás de umas prateleiras – durou cerca de um minuto, mas foi seguramente o momento mais angustiante da minha vida. Berrei e chamei por ela que parecia uma bezerra, e acho que foi o desespero na minha voz que a fez aparecer. Depois levou uma palmada no rabo que ficou a arder, e as pessoas a olharem para mim com censura e eu a tremer da cabeça aos pés e a pensar que ainda chamavam a comissão de protecção de menores… Foi uma aflição. Mas aposto que deve ter havido uma razão para a mãe do miúdo não ter aparecido logo. TEM que ter havido.
Beijinhos e boas férias, minha querida (desculpa o lençol)
Mas a mãe do João apareceu ou não?
Eu fiquei preocupada. Mesmo. É que vocês já repararam, que no Ikea, estão constantemente a chamar as mães das crianças que elas deixam lá naquela cena com as bolas e tal a dizer que os filhos estão á espera delas?
Não é a mesma coisa, eu sei, as crianças estão ali seguras, mas como é que se esquecem delas? Como é que não aparecem a correr?
E eu fico a pensar…. Haverá alguma dessas mães que tenha fugido?
Que situação! e Que post fantástico!
Será que ela não estava a usar o balcão como serviço de baby-sitting gratuito? É que há «mães» de todos os tamanhos e feitios…